Ines Ruiz : De qual maneira se financiava a Olhares do Morro ?
Vincent Rosenblatt : Quando dei os primeiros passos do projeto em 2002, teve o apoio inicial do programa de Residência de Artista do Serviço Cultural do Consulado da França no Rio de Janeiro; em seguida, conseguimos o apoio da FNAC do Brasil, e do Prince Claus Fund dos Países Baixos.
Fora esses patrocinadores irregulares, me tornei também o mais estável contribuidor..
A partir de 2004, começamos a vender fotos para colecionadores e a imprensa, o que se tornou uma fonte vital porém irregular para os jovens e a associação (60% lucro vai para o autor, 40% para a Olhares). Grandes empresas nacionais financiaram exposições de porte profissional com orçamentos importantes, alcançando enorme midiatização, mas as mesmas empresas não investiam na continuidade, no dia a dia do projeto (isso não rende mídia). Empresas podiam gastar 30000 euros para financiar uma exposição de porte profissional, mas não se interessam em dar 300 euros para o aluguel do ateliê ou pagar um gestor / contador.
Outro fator importante: sempre desejei conservar um formato experimental, com poucos jovens autores, porém os realmente motivados. E poder dar uma atenção peculiar ao desenvolvimento individual.
Num cenário onde o Estado delega para as empresas a sua política cultural (através de um mecanismo da renuncia fiscal), ficamos sempre a mercê do politicamente correto : assim, grandes empresas buscam apoiar projetos grandes, ou com ambição faraônica, que podem mostrar números impressionantes num relatório de atividades.
ONGs prometam (“no papel”) formar “centenas” de fotógrafos profissionais por ano. Porém sabemos que tornar-se fotografo não é para todos, precisa de uma extrema obstinação, anos de maturação.
Também, se comparar o que a Republica Francesa investe por cada aluno da Escola Nacional Superior das Belas Artes (publica e gratuita) onde me formei, por exemplo, com o que se pode conseguir para manutenção de um projeto cultural que trabalho com jovens de bairros pobres no Brasil, não chega a 0,001%.
Instintivamente, eu não quis tornar a Olhares do Morro (mais) uma entidade pesada, com funcionários, o que obriga a ter recursos importantes de manutenção.
Esta atitude provocou uma fragilidade congênita da Olhares, que quase sempre dependeu unicamente da produção e perseverança dos seus participantes e organizadores.
Nos próximos anos, se for recomeçar com atividades importantes com a associação Olhares do Morro – quase uma década depois da sua criação – vamos ter que pensar novamente a questão da sustentabilidade.
Hoje, com a convergência digital, a democratização das ferramentas e da internet, a situação esta mudada. Muitos jovens das favelas e bairros periféricos consigam fazer a sua própria mídia. Mas, como acontece com as mídias tradicionais, é preciso inventar um modelo sustentável para essa nova produção local, com alcance universal.
Do outro lado, a Agencia Olhares – filha espiritual do primeiro projeto – é uma empresa independente, e não temos tanto essa preocupação do patrocínio. Fazemos o que podemos com o que temos. Estou muito feliz de não ter mais de passar dias tentando convencer diretores de marketing do que apoiar nosso trabalho é ótimo para a imagem da sua empresa.
I. R. : Alguns voluntários colaboraram com você ?
V.R : A Olhares do Morro foi quase todo tempo sustentada por paixão e trabalho voluntario. E sem as pessoas que abraçaram o projeto quando este ainda estava no papel, pouco teria acontecido. E são raras as oportunidades com esta de homenagea-las.
Curiosamente, este projeto extremamente “carioca” somente foi possível com a ajuda decisiva de moradores de São Paulo:
- A designer gráfica Daniele Gautio criou em 2002 a logo da Olhares do Morro e desenhou nossos primeiros websites, e todas peças promocionais para anunciar nossas exposições e atividades.
- A assessora de imprensa e produtora Magali Martucci (hoje representante em São Paulo da Agencia Olhares) lutou muito levantar a nossa bandeira na capital econômica do pais.
- Não foi uma voluntaria, mas a fé e a paixão pelo projeto (quando ainda no papel) da Martine Birnbaum, na época diretora de comunicação da FNAC do Brasil, que conquistou o apoio da empresa e assegurou nossos primeiros passos.
- Em 2004, apos dois anos carregando sozinho a Olhares, ganhei o reforço do gestor / consultor carioca Vitor Cunha, o que me libertou para a parte operacional. Num pais extremamente burocrático como o Brasil, onde leis e regras funcionam como filtros de acesso social, foi fundamental poder profissionalizar a gestão da associação, dos projetos, ter relatórios de atividades e balanços contábeis dignos de uma multinacional. O Vitor participou de um modo decisivo de todas as nossas conquistas, abraçando o projeto.
- Em 2004 ainda, quando fizemos nossa primeira exposição na França, na sede da UNESCO em Paris, conheci a Marie-Elisabeth Mompezat, pesquisadora de imagem / iconógrafa trabalhando até então na imprensa parisiense. Casou com um carioca, veio morar no Brasil e passou a ensinar aos jovens fotógrafos tarefas fundamentais como preencher os campos IPTC das imagens, colocar palavras chaves, legendas. Ela realizou um trabalho intenso de tradução, para catalogar o acervo, enfim, foi uma contribuidora essencial na fundação da Agencia Olhares.
- Em 2005, no âmbito do Ano do Brasil na França, encontrei uma turma de alunos se formando na Escola Nacional superior de Criação Industrial de Paris : Antoine Boilevin, Matthew Marino, Mathieu Savary, Soufiane Adel et Loic Lobet. Iniciamos uma rica parceria em torno do projeto de instalação multimídia interativa que eu planejava para as Rencontres Internationales de la Photographie d’Arles, onde recebemos uma linda capela do século XIII como espaço a ocupar. Eu queria criar uma interface para os visitante, as pessoas que nunca entraram no espaço da favela, para poder navegar nos portfólios, ter uma experiência visual das comunidades, ver o trabalho que de cada autor, poder ouvir os sons que gravamos…. Depois de Arles , recriamos a instalação numa escala menor no instituto Oi Futuro, no Rio de Janeiro, tudo com o incrível entusiasmo dos jovens designers da ENSCI que possuam uma bagagem tecnológica de alto nível, e complementar.. Ter eles no Rio junto aos jovens fotógrafos da Olhares e depois estar juntos em Arles foi uma das mais lindas parcerias da caminhada do projeto…
- 2002-2010 Desde os primeiros passos dos Olhares do Morro, eu sempre teve como referencia e conselho a Lesly Hamilton : iniciadora do Atelier d’Expression Photographique da Escola Nacional das Belas Artes de Paris (ENSBA) – onde ela introduziu a pratica da fotografia, nos anos 80, numa época em que a fotografia ainda não estava muito reconhecida como pratica artística, na França… Foi neste ateliê que me formei na ENSBA, e quando criei a Olhares do Morro no Rio, me inspirei muito dos valores, idéias, respeito mutuo e independência que cada aluno tenha ali. A Lesly foi uma grande inspiradora do jeito de acompanhar a criação de cada autor. Também, participou da montagem e curadoria de varias das nossas exposições internacionais.
Citando esses exemplos, aparecem em filigrana as qualidades de um voluntario ideal : extrema qualificação e especialização profissional, podendo assim acrescentar muito no projeto.
I.R : Você poderia compartilhar conosco os projetos nos quais está trabalhando atualmente ?
V.R : Planejo com este website resgatar um pouco da historia da Olhares do Morro, com o acervo das nossas realizações e conquistas ao longo dos anos 2000. O site antigo ficou desatualizado e tirado do ar. Queria aproveitar da facilidade de publicação que temos hoje, para ter um espaço de consulta e narração para essa aventura dos “Olhares”. Trata-se também do currículo e de parte da historia dos jovens que neles participaram
– Desde 2005, fotógrafo no Rio de Janeiro os Bailes e o movimento underground do Funk carioca. Fiz uma exposição (Rio Baile Funk) deste trabalho na Maison Européenne de la Photographie em Paris (MEP) no inicio de 2011. Aos poucos,vou tentar compartilhar a experiencia dessas centenas de noites viradas nesses bailes no corpo à corpo com o povo funkeiro.
Não trata-se apenas de musica, mas de liberdade de expressão, dialogo e conflito entre classes sociais, em torno desta musica que sofre uma intensa repressão (inclusive com prisão dos MC’s – cantores).
Ines Ruiz : Qual são os planos para o futuro da Agência Olhares ?
Vincent Rosenblatt : Continuar a desenvolver nossa rede de fotógrafos, de agencias parceiras, revistas e jornais clientes. Descobrir ou representar talentos oriundos das favelas, do asfalto ou do mundo afora.
Edit : A atividade de banco de imagens da Agência Olhares foi encerrada em 2016.
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