Ines Ruiz: Com as obras dos jovens, criou-se um banco de imagens, para tornar os trabalhos acessíveis para o mercado editorial, e fazer contato com figuras internacionais. Qual é o objetivo deste banco de imagens ?
Vincent Rosenblatt: Queríamos atingir vários objetivos e públicos.
Um objetivo simbólico: o plano dos “Olhares do Morro” era de introduzir nos veículos de comunicação outras imagens e olhares, diferente dos clichês da violência que dominavam. Conquistar um espaço para representações do cotidiano e da cultura.
Isso, a traves das exposições, e projeções de imagens in situ. Nossas exposições provocaram uma intensa cobertura midiática da televisão, a nível nacional (www.youtube.com/olharesdomorro) . Apesar de ser um projeto pequeno em tamanho, teve um impacto inusitado, e inspirou muita gente.
Numa plano pratico, Olhares do Morro era também um plano de geração de renda para os jovens, e para manter o projeto. A cada cessão de imagem na imprensa, ou de venda de uma ampliação para os colecionadores, 60% da renda vai para o autor, e 40% para a associação que custeava todos os filmes e revelação. Frequentemente, os jovens conseguiam, no resultado de um “clique” valores superiores ao salário mínimo mensal do pais. Num plano simbólico, foi também uma grande conquista.
A venda das imagens permitiu a vários jovens, aqueles que realmente se tornaram fotógrafos, de comprar as suas câmeras e equipamentos, e tornar se autônomos para trabalhar em eventos sociais, criar seus próprios mercados, oferecer os seus serviços.
Vou citar algumas das exposições mais importantes que organizei e produzi ao longo do percurso dos Olhares do Morro:
1. No Brasil :
- 2003 Exposição: “Olhares do Morro”, Centro Cultural Light, Rio de Janeiro, durante o Fotorio
- 2004 Exposição: “Olhares do Morro – Um Manifesto Visual”, Espaço FURNAS Cultural, Rio de Janeiro
- 2006 Instalação Multimídia Interativa: “Olhares do Morro”, instituto Oi Futuro, Rio de janeiro, em parceria com a Escola Nacional Superior de Criação Industrial de Paris(ENSCI)
- 2007 Olhares do Morro– Galeria Athos Bulcão, Teatro Nacional, festival FotoArte – Brasília
2. No Exterior:
- 2004 Exposição: “Olhares do Morro – Um Manifesto Visual”, na Maison de L´UNESCO, Salle des pas Perdus, Paris, França.
- 2005 Instalação Multimídia Interativa: “Olhares do Morro”, na Chapelle Saint-Jean de Moustiers, durante as “Recontres de La Photographie – d´Arles, França, seleção oficial do Comissariado Francês e Brasileiro (Ano do Brasil em França). Curadoria e concepção, criação em parceria com a Escola Nacional Superior de Criação Industrial de Paris (ENSCI). Veja mais aqui.
- 2006 Exposição: “Olhares do Morro”, na Galeria KONTRAST, em Estocolmo / Suécia, no âmbito do festival documentário TEMPO.
A cada exposição no exterior, consegui fazer viajar junto um ou dois jovens fotógrafos de cada vez, para representar o grupo, apresentar-se junto aos eventos e palestras / debates.
Vou contar um pouco mais disso..
De 2003 a 2005, as exposições estavam baseadas no trabalho coletivo, onde emergiam temas comuns a todos, em torno do espaço peculiar da favela, e da intimidade das famílias e moradores. A partir de 2005, alguns jovens, já tenham acervo e portfólio suficientes para ter mostras quase individuais, nos permitindo organizar as exposições com series de fotos individuais, tratando cada um como artista autônomo dentro do coletivo.
I. R. : Desde o inicio da Olhares do Morro, você tem trabalhado com muitos jovens ?
V. R. : O primeiro ateliê no Santa Marta permitiu o ingresso permanente dos jovens interessados em experimentar. . Bastava querer, e a pessoa podia emprestar uma câmera Reflex, fazer um filme, apos pouquíssimas explicações. Assim desfilaram muitos jovens, talvez uns 80, mas cada um com um grau de engajamento diferente. Muitos, apenas participaram algumas semanas, outros, estão juntos até hoje, desde 2002…
Alguns apenas deixaram algumas perolas no acervo, e seguiram adiante. Outros se descobriram através da experiência do grupo, e se engajaram em outras ONG, associações, do lado das artes, enfim, aproveitaram deste tempo de experimentos para amadurecer e descobrir um caminho de vida.
No grupo, conseguimos aproveitar do talento de cada um, para toda cadeia de produção de da fotografia : uns tenham dom por digitalização e Photoshop, outros tenham mais a paixão da comunicação, de representar e falar do projeto em eventos, como porta-vozes e multiplicadores. Outros seguiram carreira solo de fotógrafos de eventos ou sociais. Alguns continuaram a documentar suas comunidades, além de criar um mercado local para os seus trabalhos.
I.R : Tem alguma historia que você gostaria de destacar por ter sido particularmente positiva ?
V. R. : Cada viagem de jovem fotógrafo (Para Paris, Arles, ou Estocolmo) juntos às exposições foram momentos muito especiais, de ter eles participando de debates e eventos, falando da suas realidades. EM 2004, Jorge Alexandre Firmino (do Santa Marta) e Valteone Silvestre (do Vidigal) foram para Paris, para a expo na sede da UNESCO. Em 2005, Ricardo de Jesus e Daniel Martins (ambos da Rocinha) foram para Arles, as Rencontres de la Photographie. Em 2006, foi a vez do Ivanildo Carmo dos Santos (do Santa Marta), viajar para Estocolmo para nossa expo na galeria Kontrast.
Vejo como grande conquista ter jovens como o Ivanildo Carmo dos Santos – que está se formando na universidade em comunicação, e tornou se videasta, assim que o Daniel Martins, da Rocinha – ambos publicando suas fotos e reportagens na imprensa internacional e viver bastante da fotografia. Ver jovens que conheci com 16 – 20 anos e que hoje tem uma profissão, um currículo que poucos tem e ter uma situação de vida aceitável através da fotografia..
Existem muitos projetos culturais / sociais, mas poucas vezes se considera a inserção no mercado: o que acontece depois da capacitação profissional ..?
I.R. : Em qual medida você acredita que a fotografia podem ajudar as pessoas de baixa renda ? Quais são os elementos oferecidos pelo workshop para evitar a exclusão social ?
V.R. : Já comentei esta questão altamente simbólica : através da expressão fotográfica, os jovens se tornam protagonistas, sujeitos atuantes e não meros “objetos de pesquisa”, participam assim da emissão das imagens veiculada na sociedade e na mídia. Porém preconceitos surreais: sociais, raciais, tem vida longa – os de uma sociedade de castas e classista, apesar do Brasil cultuar uma mística da integração – na realidade, não é bem assim.
Apesar da circulação mundial das nossas imagens, temos praticado sempre um espécie de teste local para cada portfólio dos jovens fotógrafos : projetamos os trabalhos in situ, nas favelas, e ficamos muito atento as reações das pessoas fotografada.
Assim, antes de ganhar as paginas das revistas ou os muros de galerias e centros de arte, as imagens eram testadas junto as pessoas que foram fotografadas, num exercício de mídia local, sempre muito prazeroso, e nos dando o feed-back e a legitimidade necessária para exercer uma fotografia menos “predadora”. Assim também pudemos trabalhar no corpo a corpo a questão da imagem de si, da auto estima dos moradores.
Queria dar enfoque também para a questão da geração de renda – através da venda dessas imagens – isto me parece fundamental.
Moradores das camadas pobres da sociedades estão, de repente, inseridos no fluxo financeiro de produção e de circulação dessas imagens que os representam.
As imagens produzidas por eles são diferentes, complementares e tem tanta legitimidade que os reportagens realizados por profissionais oriundos dos bairros nobres ou do Exterior. Conquistaram um espaço, num ambiente muito concorrencial. E com estatuto de igualdade como emissores destas imagens. Isto não é pouco.
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